Blonde

Blonde

As hipocrisias na cinéfila são engraçadas. Se um filme é cheio de furo de roteiro, são criticados por isso, enquanto filmes que seguem as “regras corretas" de um roteiro criticados também. Se um filme é uma cinebiografia cautelosamente fiel, muitos gritam pelo diretor pois “deixou a arte de lado para agradar os fãs”. Enquanto outros filmes são criticados por serem cinebiografias não 100% fiéis a realidade. Tem certo ou errado?

Reduzir qualquer arte a um elemento vazio eu considero não apenas uma agressão com aquela peça, mas um desrespeito com a arte. Se fossemos adotar qualquer um desses pensamentos citados, a arte, independente de qual fosse, estaria morta. Se o cinema é uma janela para o mundo, por que negamos tanto o que assistimos nesta janela? Obviamente que ninguém irá gostar de tudo o que assiste na sua janela, mas nem por isso vamos renegar o que vimos sem qualquer motivo (uma prática bem comum nessa geração e nas próximas, se não gostou de algo, apenas finja que não existe. O botão de “bloquear” nas redes sociais fala por si só).

Com isto dito, quando surgiram as notícias sobre este filme, não poderia imaginar diferente por parte do público se não uma controvérsia enorme, como aconteceu. Uma das maiores conturbadas histórias de uma lenda de Hollywood, recheada de incertezas, lendas urbanas e crimes, além de uma família conturbada. Preto e Branco, a cores, passagens no tempo sem aviso… afinal, o que é verdade na personagem de Ana de Armas? Pergunta que muitos fizeram assistindo. E o fato, inclusive para quem defende a veracidade de qualquer filme, é que até a Marilyn morreu sem saber o que tinha sido sua vida.

Apesar de não seguir a estrutura “padrão” de uma cinebiografia, a escolha do sempre desafiador Andrew Dominik de transformar a sua diegese em um enorme buraco negro da vida de Norma Jeane ultrapassa a expectativa de qualquer pessoa pois são três horas de mistério e sufocância por todos os traumas e pesadelos que a protagonista passa. Quando Marilyn começa a sonhar, como após seu segundo casamento, com Arthur Miller, há elementos até de um sonho real, como a olhada direta para a câmera, como se fosse um comercial da oboticário mas, acima de tudo, um sonho. E sem descanso e felicidade nada duradoura, sua mente começa as próximas paranoias.

Dominik sabe muito sobre claustrofobia em cena e como fazê-la. Em ‘Blonde’, as visões oculares (tradicionalmente como as que finalizam filmes antigos), dolly in e dolly out em todos momentos desafiadores, travellings se tornando mais frequentes com o passar do filme e steadicams em excesso. Não é um filme simples de assistir pela claustrofobia extrema criada, pelo emocional extremamente carregado. As perdas dos filhos, a esperança de ver seu pai, casamentos frustrados, duas dessas três coisas sempre tem em cinebiografias de Hollywood, mas jamais com o peso de ‘Blonde’. A steadicam ao sair do carro na estreia de ‘Quanto Mais Quente Melhor’, seguida de um travelling mostrando os jornalistas e paparazzis encantados com a presença de Marilyn e acompanhada de um efeito sonoro com o sentido de panela de pressão é um exemplo dessa mentalidade insana ao redor do que era a atriz mais popular da época.

Como quase sempre em cinebiografias, a atriz ou ator principal passa ileso de críticas por completar exatamente a proposta do filme, assim como Ana de Armas merece por ‘Blonde’. Uma atuação que parece sempre estar chorando, sofrendo, sendo torturada mesmo nos momentos felizes. Durante quase três horas.

Cada vez mais na minha “jornada cinéfila” (nome ridículo que pensei agora) eu tenho tido experiências mais emocionalmente profundas, tanto positivas quanto negativamente. E assistir ‘Blonde’ foi essa sufocante insanidade da vida da Marilyn Monroe. Foram 3 horas com uma pressão semelhante a alguém apontar uma arma na sua cabeça. Só que por 3 horas. Poucos diretores conseguem isso.

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