1965 ‘O Desafio’ Directed by Paulo César Saraceni
Passively facing the repression imposed by military dictatorship in Brazil in the 60s, a journalist gets into a personal crisis, aggravated by his love affair with an industrialist's wife, who doesn't want to leave her home because of her son
勇敢先生
Brazil
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Ótima exposição da sociedade pós-golpe militar. O niilismo da esquerda derrotada e desarmada ("saímos da fase da euforia e entramos na fase da depressão"), a cara-de-pau da burguesia golpista e a inércia confortável da burguesia apolítica, a movimentação cultural da esquerda crítica (belíssima gravação do show Opinião, com suas letras geniais; trilha sonora repleta de joias musicais e uma referência em pôster e trilha a Deus e o Diabo na Terra do Sol) e uma sensação acachapante de que nada vale a pena... Neste sentido, o estilo paradão de Saraceni, que tinha me entediado tanto em Porto das Caixas, cai como uma luva aqui.
Sem dúvida, uma preciosidade. E, infelizmente, muito atual.
O marginal Paulo César
Perguntaram há poucas semanas a Walter Lima Jr. qual o maior problema do cinema brasileiro; e ele disse: "– sua própria existência". Esta resposta terrível me vem à memória toda vez que penso em Paulo César Saraceni, porque contém todas as contradições sobre o mais radical e marginal dos cineastas nacionais.
Quantos anos depois de Porto das caixas (1962) repete-se a mesma acolhida intolerante e ignorante. O desafio foi criticado e desprezado por todos: críticos, o público apressado, amigos do cineasta; e nunca se disse tanta anseia sobre um filme. Os mais primários ficaram no "[...] o trailer era ruim e já sintetizava o filme, lento demais, chato…" Os acadêmicos rejeitaram-no de cara, alegando que "...…
Em honra de Joel Dias Barcellos (1936 - 2018).
Certamente um dos grandes atores do nosso cinema e escolhi esse filme não só pelo seu pequeno, porém estupendo papel, mas também pelo conteúdo desse filme que não é meramente atual, como se alguém quisesse fazer um remake hoje não precisaria mudar sequer os diálogos e planos que seria todo o sentido do Brasil agora.
Quer dizer, está tudo lá, toda a desesperança, pessimismo, luta de classes de quem entrou num período ultra-sombrio e se esse presente repetindo o passado não for suficiente para você querer ver esse filme, pense na potência de Bethania sendo filmada cantando Carcará num palco.
HD no Youtube.
"Eu não tenho te acompanhado muito. É uma falta minha. Mas você deve compreender: saímos recentemente de uma crise, que ameaçava levar tudo neste país por água abaixo. Se não tivesse havido a união de nossa gente, provavelmente nem eu, nem você estaríamos hoje aqui. Mas agora as coisas andam mais calmas por esse lado".
Sérgio Britto, ator, em "O Desafio", que Paulo César Saraceni dirigiu em 1965, o ano seguinte ao golpe militar que levou o Brasil pro abismo da ditadura. Um texto curto que explica como parte da sociedade brasileira, de uma elite brasileira, encarou/arquitetou a chegada dos militares ao poder. Um sentimento que parece tão atual, não é mesmo?
Filme censurado, óbvio. Filme corajoso, ousado e fundamental, óbvio.
E também está na íntegra aqui: www.youtube.com/watch?v=qD8O13DsbE4
P.S.: alguns minutos depois do "desabafo" da personagem de Sérgio Britto, Maria Bethânia, sobe num palco e canta: "carcará, pega, mata e come". Saraceni genial.
Filme assume muito bem essa mediação absolutamente bruta do seu espaço. Parece até que ele rejeita uma certa alegoria cinemanovista, uma mitificação do seu tempo. Existe uma desilusão que encontra na efemeridade das ruas e do encontro uma solenidade muito específica.
Uma personagem (Ada) desesperada para viver uma vida de amor e um personagem (Marcelo) desesperado para viver uma vida de revolucionário. Em O Desafio, não há conciliação entre romantismo e política, entre pessoal e privado, apenas antagonismo: o desejo de vida de um frustra as expectativas do outro. A narrativa e a atmosfera do filme se concentram nesta apatia mútua e as tentativas fadadas ao fracasso dos personagens traírem seus desejos para conciliar com o do outro. O amor (tanto platônico quanto carnal), para Marcelo, é visto como a expressão máxima da vida alienada e do individualismo, como um desvio e distração dos verdadeiros objetivos da vida: a revolução e a atividade política. Como falar em viver um amor com…
" - Primeiro a gente acha absurdo, depois acha normal, acaba entrando na ordem natural das coisas."
"- Qual é o teu signo?
- Escorpião.
- Eu sabia. Canto de amor no campo de batalha. Grito de guerra no campo do amor. Eu sou Peixes. Mas eu amo Escorpião. A agressividade de vocês me comove. São destruidores. Quando não destroem aos outros se autodestroem.
- Bela compensação.
- Dostoievski e Picasso são Escorpiões.
- Mas Freud e Marx são Touro.
- Você é um escorpião que sonha com Touro. Você não pode fugir ao teu signo. Nem se enganar. Escorpião e os Peixes se compreendem sem falar nem se olhar.Eles sentem e provam paixões comuns que vivem diferentemente.
- Não é o nosso caso."
Paulo César Saraceni, o mais escorpiano dos cineastas brasileiros.
"também há as naves que não chegam mesmo sem ter naufragado. não porque nunca tivesse quem as guiasse no mar ou não tivessem velando em um leme ou âncora ou vento. ou porque se embebedassem ou rotas se despregassem. mas simplesmente porque já estavam podres no tronco da árvore de que as tiraram."
incrível como Saraceni traduz em 1965 um sentimento sobre a história carcomida do brasil que em pleno 2020 custa virar palavra. ou talvez custe virar palavra justamente porque estamos em 2020, quando a impotência e falta de perspectiva já se tornaram assustadores constantes.
"A experiência histórica ensina que a literatura e a política existem separadas. Mas embora separadas seus destinos são comuns. São juntamente livres ou juntamente escravizadas."
Otto Maria Carpeaux
Melhor nas bordas do que em seu centro de conflitos, preso a dialéticas auto-confiantes demais que ocasionalmente levam a umas ideias capengas como a capitalista branca observando triste os trabalhadores saindo da fábrica. Envelheceu bem mal essa imagem imaculada sobre o burguês intelectual, preservada mesmo que o filme não coloque seu discurso como sentido final das preocupações estéticas ali. É mais interessante como o Paulo Cezar Saraceni cria um jogo entre o mundo dos personagens e o incerto e misterioso mundo lá fora, e toda a disposição pra explorar o drama de cada cena sempre marcando os espaços ao redor, suas especificidades, seus silêncios, as ruínas e as sombras. Consegue evocar um sentimento coletivo em relação àquele período com muita vivacidade e ambiguidade. O final todo é bem forte trocando as falas infladas do intelectual por um momento de caminhada trôpega e introspectiva ao som de música popular. Se o mundo vai acabar ou não, há de se continuar sentindo.
