folhas da cinemateca’s review published on Letterboxd:
"De um ponto de vista conceptual, The Seduction of Joe Tynan é um filme que joga habilmente com uma certa ambiguidade contida logo no título (e presente, de maneira loquaz, nos minutos iniciais): afinal, de que natureza é a sedução que impende sobre a vida do senador Joe Tynan (Alan Alda, também o autor do argumento do filme, numa altura em que atingia os píncaros da fama, graças à sua participação na série M*A*S*H) e que parece cegá-lo quando a uma oportunidade que se lhe abre na carreira política se associa uma paixão irresistível por uma colega de trabalho, a advogada Karen Traynor (uma magnética Meryl Streep num ano muito especial em que entra em filmes tão marcantes na sua filmografia como Manhattan de Woody Allen e Kramer vs. Kramer de Robert Benton).
Vidas entrelaçadas e seduções espinhosas, o filme como que comenta a sua própria estrutura através de um diálogo do protagonista com a sua mulher (Barbara Harris, actriz intensa do teatro de improviso dirigido por Mike Nichols e Elaine May, onde também se destacou, por exemplo, o talento de Alan Arkin), que acontece quando já estamos a entrar na reta final deste drama de tom cómico ligeiro, algo escatológico (vide a obsessão por comida), e timidamente satírico (atente-se no alvo colocado numa classe política gananciosa e oportunista). Tynan tenta, apesar dessa traição, manter o casamento com Ellie. Diz-lhe que a mesma energia investida na carreira política poderá, se assim o desejar (e diz desejar, de facto), ser transferida para a sua vida afetiva, deixando de ser um pai e marido ausente em virtude das suas ambições políticas (que, claramente, apontam para a Casa Branca como morada mais sedutora). O próprio filme passa por esta, digamos assim, dificuldade: investe energias na esfera sentimental, sexual e afetiva da bolha familiar para depois, logo a seguir, desinvestir aí e passar a concentrar-se no retrato da vida política.
O drama do filme é detonado, no seio da relação homem-mulher, não quando estas duas dimensões chocam uma contra a outra, fundindo-se, mas quando estão perfeitamente separadas ou isoladas uma da outra. Veja-se, neste particular, uma das primeiras sequências do filme, em que, logo após o discurso no Congresso, vemos o protagonista no leito matrimonial, ao lado da mulher. Esta “provoca-o”, tentando desviar-lhe a atenção do tema “trabalho” para o assunto “cama”. Mais ou menos consciente deste teasing da mulher, Joe insiste em misturar as duas dimensões, referindo-se a projetos de lei e diligências políticas como quem desencanta uma vasta gama de novos elixires sexuais. Ellie responde no mesmo tom, participando e expandindo um jogo em que os players parecem nem sempre estar cientes das suas implicações. Quando estes dois campos, na vida de Joe, se distinguem de maneira absolutamente clara, passando a amante a representar o trabalho e a sua mulher a vida íntima, dá-se a crise que afeta sobremaneira o coro de personagens ao terceiro ato desta história.
É interessante verificar que o momento de maior equilíbrio na distribuição dessa “energia”, de pronunciada, digamos assim, compartimentação do “eu”, corresponda ao ponto culminante do drama. E também é curioso que, num filme tão verborreico (Alan Alda, eternamente o ator de três dos filmes mais marcantes de Woody Allen, Crimes and Misdemeanors [1989], Manhattan Murder Mystery [1993] e Everyone Says I Love You [1996]), os momentos de crise ou redefinição do drama sejam essencialmente silenciosos: a troca de olhares (em que as palavras importam pouco) e, depois, o beijo que sela a paixão-traição entre as personagens (bem) casadas de Alda e Streep vis-à-vis a extraordinária sequência final, no comício do Partido Democrata, em que num campo/contra-campo sem qualquer palavra, Ellie e Joe, envolvidos/cercados pelos gritos extasiados dos militantes, procuram – e, sentimos, encontram – uma “plataforma comum” qualquer.
Num filme à época criticado por não passar de um veículo para os seus atores, sobretudo para Alda (“Jerry Schatzberg aceitou evidentemente a sua estrela-argumentista como o auteur do filme e realizou-o num estilo surpreendentemente liso e inexpressivo”, escreveu Richard Combs para o Monthly Film Bulletin, em novembro de 1979), encontramos um traço distintivo da marca de Schatzberg como auteur da Nova Hollywood – Adrian Martin elucida-nos sobre ela no seu artigo «Jerry Schatzberg: Filmmaker Without a Signature, Filmmaker of Truth» – que diz respeito à sua “sapiente tendência para o understatement e para as indiretas”. Conclui Martin: “Ele tenta sempre evitar a maneira mais cliché de encenar e apresentar grandes momentos dramáticos.” Nesse sentido, a conclusão deste filme – que alguns espectadores poderão sentir como algo abrupta – ilustra de maneira extraordinariamente eloquente essa qualidade indireta e subtil da dramaturgia schatzberguiana: Joe procurando na geografia do rosto de Ellie sinais de que o seu mundo – todo ele – ainda não desabou. Um levíssimo sorriso, a inclinação do rosto e a expressão final do olhar – conta-se aqui todo um outro filme, igual ou ainda mais brilhante, naquilo que cada um destes sinais aponta, e consente, relativamente ao porvir do “brilhante” casal.
“Não sei bem o que se vai passar depois do filme; eles vão tentar continuar a viver juntos, mas ignoro se vai correr bem. Em todo o caso, será duro, pois o casamento ideal não existe, é um combate permanente mas um combate também pelo sucesso das relações íntimas”, disse Jerry Schatzberg a um dos seus mais férreos e precoces defensores, Michel Ciment, da revista Positif (número 223, outubro de 1979). A observação revela todo o potencial contido nos instantes finais, sendo o principal e mais sedutor o seguinte: o grande filme – ou drama – começa depois. Cabe-nos imaginá-lo e especular sobre o seu desenvolvimento."
Luís Mendonça