The Baron

The Baron

"O Barão é a homenagem de Edgar Pêra à série B, à “poverty row” de Hollywood e à linhagem “gótica” que ela criou e depois teve, na Europa justamente, os seus mais dedicados cultores. Ulmer – o Ulmer de Black Cat, por exemplo – mas também, portanto, os italianos (Bava, Freda) e uma pitadinha dos ingleses (os da Hammer), e só uma pitadinha porque estes eram, de modo geral, mais opulentos. Ora opulência em O Barão só mesmo a do preto e branco, um claro e escuro que faz e desfaz cenários, que faz e desfaz a maquilhagem de Nuno Melo (o “draculesco” protagonista de O Barão, na expressão do filme), que é o elemento transfigurador de todos os outros elementos. Pobreza de meios por pobreza de meios, Pêra encontra-se a trabalhar numa verdadeira “poverty row” (íamos dizer: a “poverty row” de todo o cinema português, mas há excepções) e como os cineastas que nos anos 30 e 40 trabalharam na “poverty row” de Hollywood tudo o que faz faz com restos. Restos de cenários, por exemplo – e segundo parece os cenários de O Barão aproveitam sobras de concursos televisivos... Inteiro, só mesmo a luz, o preto e branco, um punhado de actores, uma história; e também uma quantidade não negligenciável de talento descomplexado. Como quem diz: O Barão brinca às séries B, brinca mesmo com as séries B (como é evidente pela carga referencial), mas não precisa de fingir, como certos outros exemplos recentes (hollywoodianos, mormente) que gastam milhões a fingir que são pobres. Pelo critério da economia de produção, O Barão é de facto série B.

No cinema português não há ninguém verdadeiramente comparável a Edgar Pêra, no percurso ou nos interesses estilísticos e temáticos. Para O Barão, arranjemos portanto um par inesperado entre os filmes português do mesmo ano: A Vingança de uma Mulher, de Rita Azevedo Gomes. Pela razão, afinal muito simples, de que ambos propõe uma redescoberta do estúdio e de todo o seu artifício (haveria outras aproximações curiosas a fazer: o monólogo, a estrutura assente numa personagem dominadora que fala e noutra que, mais submissa ou perplexa, ouve). O que Pêra faz com isso, com o estúdio e com o artifício, é central em O Barão, e logo desde o princípio: a viagem na charrette, a noite, a aldeia. Podia estar num Bava, de facto. Sabemos imediatamente que é tudo mentira mas estamos, também logo, a acreditar em tudo.

Embora, na verdade, não haja muito em que acreditar. O que é preciso é aceitar. Aceitar que Pêra quer trabalhar a sua personagem “draculesca”, encarnação de um mal absoluto – “sou uma besta” – aberta a todas as projecções possíveis e imaginárias. É a abjecção do poder (“quem manda aqui sou eu”), figuração do totalitarismo e de todos os seus avatares. É o “grande ditador” segundo Pêra. Curiosamente aproximável, no método e nos meios, dos filmes de vampiros de Pere Portabella nos anos 70, quando no lugar de Drácula se pretendia que se visse o Generalíssimo Franco. As legendas iniciais (“encontrado no Cineclube do Barreiro”...) situam o filme – e não apenas a “história do filme” – durante a II Guerra, em pleno apogeu dos totalitarismos europeus. Pista de “leitura”, mas também simulacro de “objet trouvé”, ficção na ficção, piada dentro da piada, mas também elemento dramático que reforça a gravitas de tudo o que será dito e mostrado. E, parece-nos, de maneira perfeitamente conseguida."

Luís Miguel Oliveira

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